terça-feira, 15 de maio de 2012

Tralhas


Temos que praticar mais o desapego. O ser humano é o único ser que se apega aos bens matérias. Você nunca viu, ou vai ver, dois cachorros discutindo por causa de uma televisão. Ou um gato brigando com o outro porque ele esta usando o seu tênis. Já o ser humano é muito apegado, mesmo sendo um bem de baixo valor, não consegue se desfazer.
Quanto mais pobre você é mais tralha tem em cima do guarda roupas, qualquer coisa que não está sendo usada, mas na sua cabeça, um dia você possa usar vai pra cima do guarda roupas. Compra um tênis e não joga a caixa fora porque vai se uma hora precisa de uma caixa. Ganha um presente, abre com cuidado para não estragar o papel, então guarda o papel, vai se um dia tem que dar um presente e não tem embrulho. Guarda o pote de sorvete, de requeijão, de conserva, de massa de tomate, alias não mais o de massa de tomate, porque agora a massa de tomate vem em lata, alguns guardam a lata, vai se um dia acaba quebram todos os copos de requeijão.
A maior prova do nosso amor pelas tralhas é que quando chega a época do ano de se desfazer das tralhas, fazer uma limpa em cima do guarda roupas, todo mundo passar por essa fase, geralmente é fim do ano, época que está fazendo mudanças pra entrar o ano leve. Então a família se organiza pra jogar as tralhas foras e doar as roupas que não usam mais.  Esse é o momento em que provamos o quão apegado somos a essas coisas. Você vai separar as roupas que vai dar embora, então algo dentro de você começa a não querer doar mais, você pega uma blusa velha, que não usa a uns sete anos e não deu nos outros anos por causa do apego material, então pensa: “ei eu gosto dessa blusa, só não usei mais porque não vi mais ela, não posso dar embora!”. E isso segue com oitenta por cento das coisas que vê, sua idéia era doar tudo, mas seu eu amante da bagunça não deixa. Então elas voltam, quase todas, para o fundo, ou para cima, dos guarda roupas. Para saírem novamente só no próximo “dia de se desfazer das tralhas”.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Azeitona


Os dois estão a mesa, esperando o garçom trazer os pratos escolhidos. O silencio entre os dois cria uma nuvem pesada. Só ouvem-se as conversas das outras mesas.

- A meu dia foi puxado. – diz o homem magrelo de terno na mesa a direita deles.
- Devia ter visto a cara dela. – comenta a loira da esquerda.
- Não aguento mais trabalhar naquele lugar. – reclama a moça de vestido florido.
- Hoje eu conto, não aguento mais segurar isso. – afirma o rapaz de voz afeminada que está atrás dela.

Enquanto os dois continuam em silencio.

O garçom chega com as entradas: torradas, patê, anti-pasto e azeitonas. Deixa em cima da mesa e sai. Os dois começam a beliscar algumas coisas. Uma torrada com patê, outra com anti-pasto. Ela vai pegar uma azeitona, ele mira a mesma que a dela, então os dois engalfinha a mesma. Ele olha pra ela, ela olha pra ele. Ela olha para azeitona, pra ele, pra azeitona mais uma vez, pra ele de novo dessa vez com uma cara de quem queria que o garfo estivesse enfiado no pescoço dele, não na azeitona. Ele mantem o garfo fincado e olha pra ela, então assente com a cabeça para que ela fique, afinal de contas não quer brigar por uma azeitona. Ela faz que não com a cabeça e ergue a sobrancelha como se dissesse, “não, pode ficar, tem mais azeitonas no mundo”, então tira o garfo, cedendo o aperitivo. Ele abre um sorriso, como se tivesse comemorando uma vitória. Leva a azeitona a boca e mastiga com gosto, tudo isso sem parar desviar o olhar dela, que o encara. Num instante o sorriso dele começa a desaparecer. Seu rosto começa a ficar vermelha, ele solta o talher na mesa. Ela acha que é uma provocação, então não faz nada. Ele começa a tossir. Ela ainda acha que ele está de sacanagem pra cima dela. A tosse aumenta. Ela continua sem fazer nada. Agora todos em volta já não estão mais interessados em suas conversas, mas sim no homem se engasgando. O tom do rosto dele já não é mais avermelhado, está entre o azul e o roxo. Ela mantem o mesmo rosto, nenhuma reação. O garçom que esta atendendo eles nota que tem alguma coisa errada, o cliente está balançando os braços como alguém que está se afogando. Ele se aproxima e ve que é realmente isso que está acontecendo. O garçom pega distancia, vem correndo e da um tapa nas costas do afogado, ele cospe a azeitona que cai, inteira, dentro do prato dela. Todos em volta aplaudem o garçom, o homem aos poucos vai voltando a cor normal, e agora quem está com um riso no rosto ela. Que pega o garfo, espeta a azeitona, leva até a boca, e mastiga enquanto com os olhos celebra mais uma vitória.

Tempo


Às vezes tenho a sensação de que o tempo está cada vez passando mais rápido. Eu sei que é bobeira, pois o tempo é igual desde que foi estipulado o que era tempo, mas ainda assim em nossa cabeça a impressão que temos é que ele está passando mais rápido.
Alias acho que o tempo é medido de forma errada, não devia ser padrão, todas as horas, minutos e segundos iguais. Nós sabemos que o tempo não é sempre igual.
Por que se você reparar o tempo passa muito mais devagar quando você está esperando uma pessoa, do que quando você está atrasado para encontrar uma pessoa. O fim de semana passa muito mais rápido do os dias de semana.
Ou como o tempo passa rápido quando você está curtindo do que quando esta trabalhando. Repare como quando você está animado, conversando, dançando, divertindo-se então olha para o relógio e a primeira coisa que vem a cabeça é: “o que? já passou tudo isso, não acredito, passou muito rápido!”. Agora quando está trabalhando olha para o relógio os segundos estão se arrastando. Então você trabalha, trabalha, trabalha, olha para o relógio e ainda é a mesma hora, as vezes da até a sensação de que ele voltou alguns minutos.
O que é ruim porque quando você está contra o tempo ele brinca com a sua cabeça. Você pensa, “quer saber, não vou mais olhar para o relógio”, você tenta esquecer dele, mas ele é começa a brincar com o seu piscologico, mentalmente você fica tentando adivinhar quanto tempo já passou.
O tempo é um brincalhão, ele deixa você caindo até chegar bem perto do chão, quando nota que você vai se quebrar te puxa pra cima.
É claro que isso é apenas uma sensação piscologica, já que hoje temos muito mais ocupações do que a dez anos atrás. Fazemos muito mais coisas em um curto espaço de tempo de que fazíamos antigamente. Estamos mais apressados, acelerados, ansiosos. Estamos com muito mais pressa, por isso temos a impressão que o tempo está passando muito mais depressa. Ele novamente está jogando com você. “Ah você está com pressa, não consegue esperar dez minutos sem ficar reclamando, tudo bem eu vou te dar o que você quer, só que depois não me venha reclamar que eu estou indo muito rápido e você não consegue apreciar nada!”. 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Interruptor


Bruno abre os olhos lentamente, como se acordasse de um sono profundo. Um daqueles sonos que você acorda sem saber por quanto tempo dormiu. O cair da noite invadiu o quarto. O silencio e a escuridão, junto com o peso da cabeça o convence ficar mais um pouco na cama. Lentamente ele levanta-se. Encaminha-se para a porta sem saber o porquê de estar dormindo de roupas e sapato. Deixa o quarto sem nem ao mesmo se dar o trabalho de acender a luz. A casa inteira está apagada, o que da a sensação de estar sozinho. Espreguiçando-se e ainda sem saber que horas e que dia é, ele se arrasta para a cozinha. Como todo mundo no escuro a primeira coisa que faz é tatear a parede a procura do interruptor para ligar a luz, por mais tempo que você more numa casa nunca vai acertar o interruptor sem antes dar uma tateada na parede, você alisa a parede, ela te leva até o botão. Acende a luz, o que faz o branco dos seus olhos estourarem, ele fecha os olhos para que eles reconheçam o que está acontecendo, quando finalmente consegue abri-los, se depara com varias pessoas. A primeira coisa que vem a cabeça é, “caramba uma festa surpresa, não acredito que dormi até meu aniversário”. Mas a ausência de bolo, bexigas, refrigerantes e principalmente do parabéns, cantado energicamente, anulam a possibilidade de uma festa surpresa. Todos parecem estar muito sérios para uma festa surpresa. Alias muito dos presente são pessoas que ele não reconhece. Sua mulher o recebe na porta com um abraço silencioso.

- O que está acontecendo? – pergunta Bruno para a esposa.
- É melhor você se sentar. – ela o encaminha para uma cadeira.
- Que dia é hoje?
- Não importa.
- Como não importa? Claro que importa, por que você não me acordou?

Ele da mais uma olhada em volta, então começa a reconhecer alguma das pessoas que a principio não sabia quem era. Perto da geladeira está uma senhora de jaleco, uma cara amistosa, com os cabelos finos e brancos, ela é muito parecida com a sua professora do primário, a Sueli, a que sempre o protegia. Do lado dela cinco homens, todos de terno, com a seriedade de todos os seus ex patrões. Eles falam sobre Bruno, de como apesar de tudo ele foi um bom funcionário. Ao lado dele estão todas as suas ex-namoradas, desde a que deu o primeiro beijo, que na época era uma gordinha que cheirava a morango, e hoje é uma mulher alta e esbelta, com um corpo que o faz se arrepender de não ter investido nela e ainda cheirando a morango. Até as outras que passaram, deixando sempre alguma coisa, uma escova de cabelos, uma embalagem de bombom, uma peça de roupa, etc. coisas que de alguma forma ainda as ligava a ele. Todos estavam lá presentes, os amigos do trabalho, do café, do futebol. E ele cada vez mais confuso.

- Amor, o que está acontecendo?
Um silencio se estendeu no local, os murmurinhos cessaram.

- Paula? O que todo mundo está fazendo aqui?
- Vieram te ver.
- Me ver?
- É.
- Até elas?
- Sim. – responde a mulher, fazendo cara de quem não gostou.
- Aquela dali parece minha professora do primário.
A senhora de jaleco ergue a mão pra ele.
- É ela. – diz Paula.
- Ah é?
- Sim.
- Mas o que estão fazendo aqui? Alguma festa surpresa? Eu cheguei muito cedo? Desculpa, não queria estragar nada.
- Não, não chegou cedo. Alias chegou tarde. Já ta quase na hora de você ir.
- Tarde? Ir? Ir pra onde?
- Seguir seu caminho, ir para a luz.
- Não, eu não quero me separar de você. Eu não fiz nada, seja lá o que for não fui eu. Você quem colocou elas aqui. – aponta para as ex.
- Também não queria me separar de você. Mas acontece. É a vida. Todo mundo vai passar por isso.
- Não, não precisamos.
- Precisamos sim. Todo mundo vai morrer um dia.
- Mas até lá não precisamos ficar separados.
- Bruno você está morto.
- Já pedi desculpa.

Ele fica de pé, ela vira de costas pra que ele não a veja chorando, a mãe de Bruno, uma coroa bonita, enxuta, que ninguém acredita ter um filho na idade dele, acalma Paula, acolhendo ela nos braços. Bruno vai para o lado dos amigos.

- Cara o que eu fiz?
Silencio.
- Eu devo ter feito algo muito ruim.
Diz para Rui, o melhor amigo, que observa, e assente com a cabeça como se lamentasse.
- Diz pra mim o que eu posso fazer.
Silencio.
Bruno olha em volta, todos estão olhando pra ele. Mas ninguém fala nada.
- Alguém por favor quer me dizer o que está acontecendo aqui? Parece que alguém morreu.
Paula desaloja-se dos braços de Marise, enxuga as lagrimas, se recompõe e tenta explicar para Bruno o que está acontecendo.
- Desculpa.
- Você não tem culpa.
- Ah não? Ufa!
- Acidentes acontecem.
- É o que eu sempre digo. Acidentes acontecem.
- O guarda disse que provavelmente você deve ter dormido no volante.
- Eu o que?
- Dormiu ao volante, um pouco antes da batida.

Bruno fica em silencio sem entender.

- Eu disse pra você não dirigir quando estivesse com sono. Mas você não me ouve. Por que você não ouviu? Por que?
- Ele nunca escutou nenhuma de nós também. – fala uma das ex namoradas e as demais todas concordam.
- Nem nós no serviço. – falam os ex patrões.
- Foi assim desde a escola. – diz a ex professora, ainda com cara amistosa.

- Como assim dormiu? Batida? Guarda? Do que você está falando? – questiona, ainda sem entender.
- Tadinho sempre foi meio devagar também. – diz um dos amigos.
- Não, ele só entende o que era conveniente pra ele. – retruca outra ex.
Dessa vez sem falar nada, todos parecem concordar, assentindo com a cabeça positivamente.
- Você morreu num acidente. Estava voltando do futebol, dormiu no volante e o carro foi parar num buraco.
Bruno recua até a cadeira e senta.
- Não pode ser.
Da uma olhada em volta todos ficam em silencio.
- Eu cheguei em casa e fui dormir.
- Não chegou. Queria eu que você tivesse chego. Mesmo tarde e com bafo de cerveja, queria que tivesse...
- Mas se eu morri o que eu estou fazendo aqui? O que eles estão fazendo aqui?
- Vieram acertar as contas com você.
- Acertar contas? Como assim acertar contas, não devo nada pra ninguém aqui.
- Ei claro que deve. – retruca o amigo do qual ele tinha feito um empréstimo.
- Opa, quase ninguém.
- Não é nada relacionado a dinheiro.
- Ei o meu é.
- Tirando o dele. – ela da uma olhada pra ele, que o faz recuar para um canto.
- Acerto de contas?
-  É eles virem falar alguma coisa que ficou no passado, que queriam ter falado, mas não tiveram coragem ou oportunidade de fazer.
- Isso deve ser alguma brincadeira.
Olha para os amigos do trabalho, eles ficam sérios, e fazem que não com a cabeça.
- Você não está brincando né?
Ela faz que não, abaixa a cabeça e começa a chorar. A mãe novamente vem aparta-la e a leva para o outro cômodo. Bruno da mais uma olhada em volta. Todos estão olhando. Ele fecha os olhos, abre, eles ainda estão olhando. Fecha mais uma vez, abre, nada. Fecha a terceira, dessa vez se mantem de olhos fechados. Começa a passar flash’s com alguns momentos que marcaram, com cada um ali presente. A mãe mordendo o pé dele, quando ele ainda era uma criança, o pai ensinando a andar de bicicleta, correndo do lado dele, então o soltando, ele olhando para trás e vendo o pai lá atrás. A professora fazendo chamada. Os amigos de sala de aula, a gordinha com cheiro de morango olhando pra ele. O primeiro beijo com cada namorada. E o ultimo beijo que deu na sua mulher antes de sair pra ir jogar futebol. Quando ele abre os olhos uma luz alta vem em sua direção, acompanhado de uma buzina ensurdecedora.  Só da o tempo dele puxar o volante com tudo para o lado esquerdo. Tudo apaga.