Contos

ESPIRITO NATALINO
Estava eu andando sozinho pela rua, em meio a enfeites, pisca-pisca e placas de liquidações de natal. Pensando, esse negócio de espírito natalino é uma baboseira. Quando trombei com um senhor. Já ia levantar soltando os cachorros, só que antes de fazer isso reparei que ele estava chorando. Aquilo me comoveu, ajudei ele a levantar e se recompor, então convidei-o  pra tomar alguma coisa, e ele me contar o que estava acontecendo.
Ele era um pai de família com seus 40 e poucos anos, tinha uma cara de trabalhador, daqueles que sempre se esforçou pra dar tudo pra sua família. Ele me contou que o filho mais novo tinha acabado de descobrir que o Papai Noel não existia e estava decepcionado. Não queria mais saber de festa, nem ceia, comemorar e nada ligado ao natal. E isso magoava muito esse pai, pois não era hora dele saber ainda, era apenas uma criança e tinha tomado um choque de realidade que fez com que tudo o que acreditava caísse por água a baixo.
Aquilo foi um choque pra mim também, pois pouco antes do “acidente” pensava sobre o espírito natalino e como tinha ocorrido essa desilusão comigo também. A criança poderia estar correndo o risco de crescer com uma imagem distorcida sobre tudo, e eu não poderia deixar isso acontecer.
Ficamos os dois sentados no bar tomando uma cerveja e pensando o que poderíamos fazer. E foi quase na hora da ceia de natal, depois da sétima ou nona cerveja, e que o dono do bar nos expulsou do bar, argumentando que a mulher dele já tava com o peru na mesa a quase uma hora. Foi aí que eu tive uma idéia. Tive que contar umas duas vezes para o seu João, porque ele já estava bêbado. Repeti pela terceira vezes no caminho da casa dele. Era nossa última saída. Nós armaríamos uma forma de convencer o filho dele que o Papai Noel existe. Esse era meu plano. Nada muito conciso, mas é o maximo que consegui depois de doze cervejas e um rabo de galo.
Chegamos à casa do João e a ceia já estava na mesa. Dona Clotilde, mulher do João, estava esperando-o com a faca na mão, pra cortar o frango grande que foi o maximo que deu pra comprar. Antes que a mulher pudesse perguntar quem eu era, já fui perguntando do menino. Ela falou:
- Que menino?
- O Noel, respondeu João. O nome do garoto era Noel fiquei surpreso, pois até então não sabia. Seria essa uma brincadeira do tal espírito natalino?
O Noel está no quarto, pediu pra eu fazer um miojo pra ele e levar no quarto, disse que não ia comer a ceia. Falei que não tínhamos miojo e isso parece ter o revoltado mais. Disse dona Clotilde, com lagrimas nos olhos.
As coisas estavam mais complicadas do que o seu João tinha contado, a criança tinha tido mais uma desilusão, não tinha miojo. Eu sabia o que queria fazer mais não sabia o que fazer. Sentamos a mesa pra cear enquanto tentávamos achar uma maneira de reaver o espírito natalino no moleque.
De uma maneira misteriosa, quase como um presente eu tive um estalo. Depois de comer duas asinhas do chester (que era o nome do frango grande deles), separar as uvas passas do arroz (um pouco foi a uva passa que me fez perder o interesse pelo natal), tomar duas cidras de maça e tirar um cochilo. Tive a genial idéia. Iríamos reaver o espírito natalino do Noel. O João disse que essa idéia eu já tinha dado. Eu me defendi argumentando que a cidra estava fazendo efeito ainda, mas que tinha um plano concreto. Então demos inicio ao plano.
O João foi no quarto do Noel e o chamou.
- Noel, é o papai Noel.
- Papai Noel não existe, eu já sei disso.
- Não eu falei que sou eu Noel.
- Ah.
- Queria pedir desculpa sobre o que foi dito na ultima semana sobre o Papai Noel.
- Foi melhor mesmo, eu já não mais tinha idade pra acreditar nessas coisas, já estou com sete anos e meio.
- Mas você tem que acreditar, até porque ele existe.
- Ele não existe pai. Foi o senhor mesmo que disse, não lembra? Eu escrevi a carta mandei pra ele e por algum motivo caiu em suas mãos e você veio tirar satisfação sobre o que eu queria.
- Eu sei foi erro meu, peguei a carta pra dar uma revisada na letra, você reprovou em português na primeira série, ninguém reprova a primeira série!
- O senhor vai tocar nesse assunto?
- Não, não é sobre isso que eu vim falar. Queria me desculpar. Quando eu falei que Papai Noel não existia e quem comprava o presente era eu, e que não tinha condições de te dar o novo vídeo game, é porque estava bravo por causa do seu português.
- Mais pai eu só tenho sete anos e meio, o Papai Noel entenderia minha letra se ele existisse.
- E ele existe.
- Não existe pai, sai daqui.
E o pai de Noel saiu do quarto mais arrasado do que tinha entrado. Foi nessa hora que eu entrei com meu plano em ação, quando tudo parecia estar perdido, quando nada mais fazia sentido, quando não restava mais esperança, eu entrei, em câmera lenta, vestido de Papai Noel. E aquele brilho que tinha sido apagado, por um erro bobo de um pai e uma letra horrível de português, acabara de ser reavido.
Sentei pra conversar com ele, o garoto não piscava.
- To sabendo que tem gente aqui nessa sala que não acreditava em mim.
- Pois é meu pai é fogo, quase quarenta anos na cara e não aprende as coisas. O moleque era rápido, apesar dos seus sete anos e meio. Começou a me bombardear com perguntas a respeito do natal. E eu sem saber o que responder comecei a inventar. Até que chegou a pergunta que me balançou.
- Onde fica a uva passa o ano inteiro?
Demorei alguns minutos pra me recompor e quando me recuperei do choque, respondi:
Deixam escondidas num lugar estragando, pois a uva passa nada mais é do que uma uva podre. Levei sorte que ele também não gostava e já tinha feito uma teoria parecida com essa minha.
Pelo jeito tinha cumprido meu plano, tinha devolvido a esperança de uma criança, retomado o espírito de natal dela, posto algo no lugar. Quando eu já estava indo embora ele me perguntou:
- E o meu Playstaition 3? Fiquei sem reação.
Esse foi o momento de reação, poderia inventar uma história sobre ter esquecido no outro saco, ter deixado no outro trenó. Ou poderia fingir que ia buscar no trenó e sair correndo e a família que se virasse pra explicar. Só que acabei fazendo o que achei correto. Falei que apartir daquele momento o pai estava incumbido de cuidar do presente do garoto, ele já tinha quase oito anos, já era quase um homem, e não tinha mais a necessidade de ficar escrevendo cartinha e que dava muito trabalho pra decifrar o que ele tinha escrito. Então qualquer coisa que quisesse que pedisse direto para o pai que ele iria até ao Papai Noel e pegaria. O pai fez uma cara de “eu não tenho condições de comprar esse presente pra ele, esse foi o motivo da nossa briga”. Eu fiz uma cara de “se vira, eu fiz o que tinha prometido agora fica por sua conta, pra falar a verdade eu me arrependi de ter vindo, mas como já tinha comido e bebido é o mínimo que eu podia fazer”.  Virei às costas e fui embora levando junto o resto do Chester.
Até hoje esse pai é grato por tudo que eu fiz, dizem que ele vive procurando por mim, diz que tem um presente pra me dar, acho que ele quer me agradecer. Porém quem tem que agradecê-lo sou eu, que me fez enxergar o que realmente é o espírito natalino. Se eu não tivesse tão preocupado procurando no porque vêem tanta esperança em um ano novo sendo que só muda o dia, você dorme e acorda a mesma coisa, se não tivesse tão cético sobre tudo isso, e não tivesse tomado duas cidras, cinco ou sete cervejas e um rabo de galo eu explicaria pra você o verdadeiro significado do espírito natalino.