sábado, 25 de fevereiro de 2012

O colchão

Eduardo abre um dos olhos, mas a luz entra de uma maneira tão forte que parece que é Jesus vindo busca-lo, como ele não quer ser levado, ainda, fecha os olhos. Espera alguns segundos, abre devagar. Olha pra cima, parece que Jesus não está mais lá. Fecha os olhos novamente. Sente uma dor nas costas, talvez tenha sido acarretada por ele ter dormindo no estrado da cama. Ele abre os olhos, agora já consegue enxergar normalmente, tirando o fato de a sua cabeça estar pulsando como um coração mostrado nesses seriados médicos. Ele olha em volta, não a nada no quarto, só algumas roupas no chão e a cama, sem o colchão. Fecha os olhos novamente pra tentar lembrar o que aconteceu. Abre os olhos, e descobre o porquê está dormindo só no estrado. Por que o colchão está colado no teto. Mistério resolvido, próximo assunto.
“Espera aí, o que o colchão está fazendo colado no teto?”, pensa Eduardo.

Abre-se uma porta. Dela sai uma mulher, loira, cabelo comprido, seios grandes, bunda perfeita, só de calcinha, com os braços cobrindo os peitos. Ela vai até o canto do quarto, pega umas roupas que estão no chão, da uma olhada para o Eduardo que está deitado, só de cueca, meia e capa. Ela faz sinal pra ele ligar pra ela. Joga um beijo e sai do quarto. Eduardo a vê indo embora e a porta fechasse atrás daquele traseiro perfeito.
“Ela pediu pra eu ligar pra ela? Me dei bem”, pensa, novamente, agora com um sorrisinho no rosto.

A porta se abre novamente, agora sai um homem, forte, só de sunga e mascara. Ele pega o resto das roupas que sobrou no canto, de onde a loira já tinha pegado as dela. Encaminha-se pra porta, abre pra sair, mas antes vira para Eduardo, faz o mesmo sinal que a loira, dando a entender que é pra ligar pra ele, manda um beijo e finalmente sai. Apagando o rastro que a loira havia deixado. Eduardo fica imóvel na cama, olhando pra cima, encarando o colchão, pensando “o que aconteceu, como eu vim parar aqui, quem são aqueles dois e principalmente, como aquele colchão foi parar lá em cima?”.
“Hello Moto”
Ao fundo um celular toca, interrompendo os pensamentos do Eduardo.
“Hello Moto”
É o toque do celular do Eduardo.
“Hello Moto”
Ele pula da cama, fica de pé, parado na mesma posição que o super-man pararia se escutasse um grito de socorro.
“Hello Moto”
Ele abre a porta por onde os dois saíram e da de cara com nada. É só um armário.
“Hello Moto”
Fecha a porta. Olha para o colchão. Fecha os olhos.
“Hello Moto”, o celular grita como uma criança recém-nascida com fome.
 - Alguém, pelo amor de Deus atende essa coisa! – vem uma voz de algum dos cômodos da casa.
“Hello Moto”
Eduardo abre a porta, um corredor escuro, com uma luz lá no fundo como se um trem tivesse vindo na direção dele.
“Hello Moto”
Ele segue em direção a luz que vem da sala.
“Hello Moto”
Silencio.
A sala tem um tapete, formado por pessoas, deitadas, dormindo, cobertas de confete, serpentina e purpurina. Não tem onde pisar, o chão está totalmente ocupado por corpos despidos. Eduardo analisa de longe os rostos debaixo dos confetes pra ver se a algum conhecido, mas não. Nem sinal de alguém que possa explicar o que aconteceu.
“Hello Moto”, volta a tocar o celular.
- Se for pra mim fala que eu não to. – fala alguém da muvuca.
“Hello Moto”
Eduardo procura o celular pra ver de onde está vindo a chamada, então finalmente consegue encontrar, está no meio dos peitos da mulher maravilha.
“Hello Moto”
Pelo menos agora a capa e o S desenhado no peito pelado de Eduardo faz algum sentido.
“Hello Moto”
Ele vai passando em meio as pessoas, esbarra em uma ou outra, sem querer, mas elas não ligam, não é o super-man que vai acordar elas do sono.
“Hello Moto”
Com cuidado ele tira o celular lentamente do meio dos seios da mulher maravilha. Ela sente o movimento, abre os olhos, fazendo com que o Eduardo fique paralisado.
- Bom dia super-man.
- Bom dia.
Ela vira para o lado e volta a dormir.
“Hello Moto”
Eduardo atende o celular.
- Pronto.
- O que está pronto? Onde você está.
- Quem ta falando?
- Quem ta falando? Quem ta falando? Como assim quem ta falando?
- É, quem ta falando?
- Porra Eduardo você não tem meu telefone gravado no seu celular?
- Nem olhei antes de atender.
- Sou eu caramba. Seu sócio. Padrinho do seus filhos e do seu casamento.
- Ah, oi Jefferson.
- Ah, agora você lembrou.
- Foi mal.
- Onde você tá? A reunião começa em 30 minutos, não combinamos de chegar uma hora antes pra acertar os últimos detalhes?
- Sim, mas a reunião não é só segunda?
- Ah, é verdade.
- Sim...
- E que dia que você acha que é hoje?
- Domingo.
- Domingo? Domingo Eduardo?
- É domingo.
Eduardo tira o telefone do ouvido, tapa com a mão, então lança a pergunta.
- Alguém sabe que dia é hoje?
Uma voz em meio aos corpos grita: “Domingo”.
- Viu como é domingo.
- Então espera um pouco que eu vou passar o telefone para os investidores pra você avisar isso pra eles.
Silencio.
- Hoje é segunda, né?!
- CLARO! É SEGUNDA DESDE A MEIA NOITE!
- Eu to indo pra aí!
- Onde você ta?
Eduardo vai pulando em meio aos corpos até o que parece ser uma janela, abre a cortina, olha em volta e não reconhece o lugar.
- E aí? – pergunta o amigo impaciente.
Novamente ele afasta o celular do ouvido e o tampa com a mão.
- Alguém sabe me dizer onde eu estou?
De novo uma resposta sai do meio dos confetes: Domingo.
- Não sei. – diz Eduardo, triste.
- Então se vira. Se vira por que você não é quadrado. Da um jeito de estar aqui em meia hora.
- Mas...
“TU... TU... TU...”. – o som do telefone na cara, cala qualquer tentativa de argumentação.

Atrás de Eduardo, vindo do corredor escuro sai um homem de terno. Eduardo toma um susto. Afinal de contas é a primeira pessoa vestida que vê desde que acordou.

- Bom dia. – diz o homem, passando no meio das pessoas amontoadas.
- Bom dia. – responde Eduardo cada vez mais confuso.

O homem passa pela sala e entra em outra porta, Eduardo segue-o. atravessa também a sala, como se estivesse num campo minado, passa pela porta que da na cozinha. O homem está parado em frente a pia, olhando para o castelo de louça suja, garrafas e garrafas empilhadas.
- Que bagunça hein. – diz Eduardo na tentativa de fazer amizade.
- Sorte que eu não moro aqui. – responde o homem sem virar-se pra trás.
- Ah não mora?
- Não.
- Então quem é o dono?
- O Batman.
- O que está fantasiado de Batman?
- Não, o apelido dele é Batman, ele ta fantasiado de homem invisível.
- Entendi. – fala Eduardo sem entender. – Então cade ele?
- Não sei, ele ainda não tirou a fantasia.
O homem finalmente para de encarar a louça e se encaminha pra fora da cozinha. Eduardo vai atrás.
- Opa, desculpe a intromissão, mas onde você está indo?
- To indo trabalhar, hoje é segunda, nem só de festa vive o homem, já dizia a bíblia. – fala e sai da cozinha.
“A bíblia nunca disse isso”, pensa Eduardo, contudo não fala por que aquele homem é o único que pode ajuda-lo.
Eduardo vai atrás. O homem parece procurar alguma coisa.
- Posso pegar uma carona com você?
- Se eu achar as minhas chaves, sim.
- Como elas são?
- São de ferro, a do carro tem um plastiquinho que segura uma ponta e uma parte de ferro com uns dentinhos.
Eduardo fica parado olhando para ele.
- É essa daqui? – pergunta alguém, fantasiado do que parece ser o Bob Esponja, com um braço erguido, segurando uma chave.
- Isso. Valeu Bob Espoja.
Vira as costas e se encaminha para a saída. Eduardo fica olhando para o Bob Esponja.
- E aí super, vem ou não?
Eduardo acorda do transe.
- Vou, vou sim.
Corre em direção ao homem, então lembra-se que está só de cueca, meia, capa e com um S no peito, feito com batom.
- Espera aí, onde estão as minhas roupas?
- Não sei. Pra falar a verdade eu não sei nem o por que eu dormi de terno.
- Você dormiu de terno?
- Sim.
Eduardo chega perto do homem, começa a analisar o terno, puxa daqui, puxa dali, vai até o pescoço e da uma olhada na etiqueta.
- Ei, esse terno é meu.
- Será?
- Sim, sim. Ganhei da minha mulher.
- Você é casado?
- Sou, quer dizer, acho que sou.
- Caramba você ta ferrado.
“Hello Moto”, toca o celular que está preso na cueca dele.
Ele saca o celular, antes de atender olha pra ver quem é. A foto da mulher dele piscando no visor do celular faz a cara de Eduardo, que já não é uma das melhores, piorar muito mais.
“Hello Moto”
- Porra de novo esse celular, tem gente querendo dormir aqui!
“É”, sobe um grito de protesto.
“Hello...”, Eduardo aperta silenciando.

O homem já está com a porta aberta, pronto pra sair.
- E aí vem ou não.
- Vou.
Segue atrás dele. Para na porta, quando lembra que está só de cueca.
- Mas e o meu terno? – pergunta Eduardo parado na porta.
- O terno pela carona. – responde o homem que já espera o elevador.
Silencio. O elevador chega. A porta abre-se. Eduardo olha pra dentro do apartamento, vê mais uma vez aquele tapete de fantasias. Olha pro homem, que segura a porta. Então vai atrás dele, fechando a porta do apartamento.
- Que se dane.

Reunião.
O elevador sobe lentamente. Eduardo está meia hora atrasado. A bateria do celular acabou. Seu corpo está coçando por ter colocado o ter colocado o terno por cima de toda aquela purpurina. Abre-se a porta do elevador. Revelando o rosto nada amigável de Xavier.
- Você ta louco?
- Desculpa.
- Onde você tava?
- Não sei!
- Como não sabe?
- Não sei!
- Por que você tem purpurina na cara?
- Não sei!
- Quer saber é melhor você nem responder, eu não quero saber.

Segue pra sala de reunião, onde vários investidores estão esperando o folião chegar.
- Não vamos demorar muito não né?!
- Se eles ainda quiserem nos atender. – fala num tom de ameação – Não. Por que?
- Por que eu tenho que devolver o terno.
- Mas esse terno é seu!
- Sim.
- Então por que tem que devolver?
- Por que tem um cara só de cueca esperando pra pegar e ir trabalhar.
Xavier para, Eduardo também.
- Ãhm?
Silencio.
- Dessa vez você passou dos limites, né?!
Eduardo assente com a cabeça concordando.
Os dois seguem pra sala de reunião.
- Sabe, pensando bem eu não quero saber mesmo o que aconteceu. Só espero que essa sua festa não faça nós perdermos esses clientes.
Entram na sala e fecham a porta.

Já dentro do carro do Xavier, vestindo umas roupas do cumpadre que estava jogada no banco traseiro do carro, Eduardo segue pra casa onde com certeza muitas perguntas serão feitas. Ele força a memória pra tentar lembrar o que aconteceu.
- E aí? – pergunta Xavier quebrando o silencio.
- Nada. Não consigo me lembrar de nada.
- Dessa vez você pegou pesado, hein!
- Pois é...
- Sorte que deu tudo certo na reunião.
Silencio.
- Até agora eu não acredito que você foi reconhecido por aquele investidor.
- Nem eu.
- Você fez sucesso na festa hein. Viu como ele olhava com admiração pra você. Alias acho que ele fechou o negócio só por isso.
- É... – responde Eduardo, num misto de orgulho e vergonha.

“Se não é o Super-Man”, foi o que o homem disse quando Eduardo fechou a porta de vidro. Depois disso vieram histórias do super-herói na festa. Como quando Eduardo virou um litro de tequila enquanto batia embaixadinhas com um ovo. Ou quando lambeu a pimenta do corpo inteiro da mulher gato sem tirar a língua nenhuma vez, ou quando apostou que conseguia colar o colchão no teto só com um grampeador. E as histórias das façanhas do Super tomaram o lugar da discussão sobre investimentos, riscos e essas coisas chatas abordadas nas reuniões. Sem sombra de duvidas o que fez com que os investidores fechassem foi o S no peito. A hora que Eduardo abriu o a camisa como o Clark fazia nos filmes os clientes foram a loucura.

- Edu, chegamos.
Eduardo abre os olhos.
- E aí, já sabe o que vai dizer?
- Não.
Fala e sai do carro lentamente. Vira em direção a casa e fica encarando o portão.
- Cara.
- Oi? – Eduardo debruça no vidro do carro que está aberto.
- Posso te fazer uma pergunta?
Eduardo faz que sim com a cabeça.
- Como você colou um colchão no teto só com um grampeador.
Eduardo fica em silencio, olhando com uma cara de quem diz, “isso lá são horas de perguntar isso? Posso estar morto em alguns minutos!”
- Você não sabe, né?!
Silencio.
- Então boa sorte aí, nos falamos mais tarde.
Arranca com o carro.
- Se eu estiver vivo.
Fala para o rastro de fumaça que ficou.

Eduardo gira a maçaneta torcendo para que a porta de casa esteja aberta. Caso não esteja vai ter que tocar a campainha, fazendo sua mulher ter que vir abrir a porta e com isso ele vai ter que explicar onde estão as suas chaves, aquelas de ferro. A porta está aberta. Ele entra como se fosse um ladrão invadindo uma casa no meio da madrugada, anda com passos de ninja para não ser percebido porém, biga, o cachorro e alarme da casa já sentiu sua presença e veio receber o dono de casa como se ele fosse um herói vindo da guerra. Mal sabe ele que herói o Eduardo era a algumas horas.

- Amor! – Grita Isadora da cozinha.
- Oi amor!

Eduardo sobe as escadas correndo antes que a cabeça da mulher apareça no corredor. Ele entra no quarto e vai direto para o banheiro. Tira as roupas e joga no canto, o que faz lembrar das duas figuras no quarto, entra no chuveiro e se esfrega pra tirar o vestígio do S de seu peito e a purpurina do corpo.
TOC TOC TOC
- Dudu, tudo bem?
Silencio.
“Meu Deus o que eu falo, essas horas ela já deve ter encaminhado os papéis do divórcio.”
TOC TOC TOC
- Eduardo?!
“Eu não quero me divorciar, não fiz nada por querer, alguém colocou alguma coisa na minha bebida.”
TOC TOC TOC
- Carlos Eduardo!
“Vou falar que me drogaram que me forçaram, que eu só lambi a mulher gato porque ameaçaram matar toda minha família.”
Eduardo desliga o chuveiro.
- Amor você ta bem?
- To!
“Agora é a hora. Tem que fazer o que eu tenho que fazer. Ninguém mandou. Ninguém mandou.”
Eduardo abre a porta, Isadora esta parada com o semblante sério.
- O que aconteceu?
- Eu não sei, eu não costumo fazer isso, foi um escorregão, nunca mais vai acontecer, falaram que se eu não lambesse iam matar o Biga.
- Do que você está falando?
- Do que você está falando?
- To falando que você disse que ia chegar só na parte da noite e aparece assim do nada.
- Ah falei?
- Eduardo você bebeu no voo?
Silencio.
- Um pouco.
- Você não tem jeito mesmo.
Vira as costas e vai saindo do quarto.
- Esse negócio de ficar bebendo ainda vai te colocar numa enrascada Eduardo. Escreve o que eu digo.
Some no escuro do corredor. Eduardo deita na cama olhando pra cima, e nota que agora o colchão está no lugar certo. Alias tudo está no lugar certo.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Não quer dizer...

E quando nada está dando certo...

Quatro horas de espera, mas parece que finalmente Arthur vai poder pegar o seu voo.
Tudo parecia estar dando errado, o relógio não despertou, o gás acabou, a chave emperrou, o ônibus quebrou, o taxi quebrou, o outro taxi também quebrou, o voo atrasou, atrasou, atrasou. Mas pelo jeito as coisas estão se acertando, sorte que Arthur é um cara prevenido, marcou os compromissos pra noite, “caso de alguma coisa errada, eu não corro risco”, diz Arthur ao ser questionado por que é tão metódico.
Agora Arthur está se encaminhando para a sua poltrona e logo estará nos braços da sua amada.

- Senhor, o senhor vai ter que desligar o celular senhor.
- Mas o voo ainda está em solo. – tirando o celular para o lado.
- Senhor, sinto muito, mas não é permitido, senhor.
- Mas é que eu tenho que avisar que estou entrando no avião.
- Regras são regras, senhooor!
“mimimi, mimimi, senhooor...”.

Arthur desliga o celular e vai em direção a sua poltrona, uma senhora que está a sua frente vai conferindo numero a numero, como alguém que acaba de pegar o resultado da mega-sena, a impressão que dá é que quando ela encontra a poltrona certa vai gritar bingo. Ele olha por cima do ombro da senhora e vê que o numero da poltrona dela é o vinte e cinco, ou seja, é bem lá pra frente. Ela continua com a conferencia, vai que trocaram o vinte cinco pelo oito só de sacanagem. Ele para de acompanhar, pois chegou a sua poltrona. Tem alguém sentado no lugar dele. Artur olha para o bilhete, olha para a pessoa, olha para o bilhete, para a pessoa, repete isso mais umas cinco, sete, doze vezes, pra ver se a pessoa se toca, nada. Ele usa o sistema da “pigarrada”, o sistema da pigarrada é utilizado desde os tempos mais primórdios, pelos homens das cavernas pra avisar que o companheiro estava puxando o cabelo da mulher errada. Como naquela época eles não falavam tinha que achar uma forma de dizer algo, sem precisar falar. Assim foi criado o sistema da pigarrada. Então desde o tempo das cavernas nós usamos desse toque. Afinal de contas: uma pigarrada vale mais do que mil palavras.
A aeromoça nota que algo está acontecendo de longe, esse é o serviço dela, evitar qualquer tipo de contratempo. A aeromoça é uma espécie de escoteira do ar. Sempre alerta.

- Senhor está tudo bem? O senhor quer uma agua?
“Não, não está tudo bem. Eu não quero água nenhuma, eu quero meu lugar que esse gordo pegou.” – Isso é o que Arthur pensa.
- Não, estou bem. – Isso é o que ele fala.

A conversa entre os dois faz com que o individuo que está sentado no lugar de Arthur veja que algo está acontecendo, finalmente. Arthur repete o sistema de olhar para o bilhete, olhar para a poltrona agora com o colega de viagem o olhando.

- Eu estou sentado no seu lugar? – diz o gordo.
- Sim, o meu é o onze A.
- Ah, o meu é o onze B, eu jurava que o B era aqui.
“Eu não quero saber qual é o seu. Só quero que você levante essa bunda gorda do meu.”
- Mas não é, é a do lado.
- É, do ladinho.
- Sim!
- Será que você não se incomoda se eu ficar sentado aqui?
“Claro que eu me incomodo, eu escolhi meu lugar na janela pra poder encostar a cabeça no vidro, dormir e ter a sensação que estou com a cabeça nas nuvens.”
- Bem, é que...
- Porra obrigado. Você é bem legal. Quer saber eu vou retribuir isso.
“Como? Saindo do meu lugar?”
- Ah vai?
- Sim. Pode sentar no meu lugar.
- Olha, obrigado.
Da direção da cabine vem a aeromoça.
- Senhor, sera que tem como o senhor se acomodar, senhor? É que estamos atrasando por causa da fila que está se formando atrás do senhor, senhor.
“Quer dizer que o voo está atrasado culpa minha. As três horas que estamos esperando é tudo culpa minha, eu estou tumultuando e empatando a vida desta gente toda?”
- Senhor, senhor.
- Oi.
- Será que o senhor pode se acomodar, senhor?
“Senhor, mimimi, senhor!”. Pensa Arthur e senta.
“É não adianta ficar de mau humor, esse tipo de coisa acontece, e é como dizem coisas ruins são precedidas de coisas boas, talvez algo de bom está para acontecer, os pequenos gestos, uma hora o outra são recompensados...”.
Uma mulher, com cara de louca, cabelo de louca, roupas de louca... Pelo jeito ela é louca, para bem na fileira de Arthur. Ela olha para o bilhete, olha para o Arthur, para o bilhete, para ele. Arthur entende o que está acontecendo, afinal de contas ele acaba de passar por isso. Mas agora ele já está acomodado. Talvez se explicar a situação para a mulher, ela sentara no meio.
- Eu estou no seu lugar, né?! – pergunta Arthur sem graça.
A mulher assente a cabeça como uma louca.
- É o onze C?
Novamente assente, agora de uma forma um pouco mais normal.
- É, na verdade o meu é lá na janela, mas eu cedi o meu lugar para aquele senhor. Será que teria como você...
- Não.
- Oi?
- Não, não posso sentar no meio. Eu não queria nem estar aqui, esse avião vai cair.
- Ãhm?
Ih, lá vem a aeromoça.
- Posso ajudar senhora?
A louca entrega o bilhete para a aeromoça.
- O senhor está no lugar dela senhor?
- Sim, mas é isso mesmo que eu tava explicando.
- As poltronas são escolhidas antecipadamente pra não termos esse tipo de imprevisto senhor.
- Sim, eu sei, mas...
- Mais alguém aqui está no lugar errado? – grita a aeromoça para todos no avião.
- Viu senhor, pelo jeito é só o senhor, senhor!
Arthur olha para o gordo, que está de fones e pelo jeito não escutou a pergunta, ou fingiu que não escutou. Agora as duas olham com cara de louca pra ele. Ele levanta, senta no meio, o gordo também levanta.
Agora estão os três acomodados.
- Aqui quem fala é o co-piloto, Vitor, que fala diretamente da cabine de comando.
- Olha aí que bom que você está na cabine. – retruca o gordo fazendo graça.
- Gostaria de pedir desculpas pelo atraso.
- Negativo, não vamos desculpar, assim que aterrissarmos terei que falar com a sua mãe.
- Não foi culpa nossa, é a culpa do tempo.
- É isso que a minha sogra fala.
- Vamos fazer o máximo para que essa viagem seja a mais confortável e agradável para todos.
- Agradavel até pode ser, mas confortável, nessas poltronas? Duvido muito.
- Esse avião vai cair. – sussurra como uma louca.
- Fiquem com as instruções de segurança e depois voltamos da cabine de comando.
Desliga.
- Aqui quem fala é a aeromoça Martiele, junto comigo no time de comissárias está a Priscila e a Patima.
- Patima?
- Peço a atenção de todos para as instruções de segurança.
- Patima, que porra é essa uma mistura de patrícia com fatima? Patima...
- Mascara de oxigênio caíram.
- Mascara de cerveja não tem não?
- Mascara da morte. – sussurra novamente a louca.
- Os assentos são flutuantes.
- Agora eu entendi por que não são confortáveis, por que flutuam. Já viu a roupa do super-man? É confortável? Não, mais é flutuante.
- Ladies e gentleman...
- Aí eu já vi isso. No meu sonho. O avião vai cair.
- Eu também já vi isso, todo voo elas fazem isso...
- Você não sabe de nada. Vai morrer também!
Lá vem a Patima.
- Senhor, o senhor tem que colocar seu cinto senhor.
- Eu sei, mas é que ele...
Arthur olha o para o gordo.
- Ei você está em cima...
- Desculpa, estou em cima do seu cinto?
- Não, da minha mão.
O gordo levanta ele tira a mão debaixo dele. A mão está dormente.
- Agora tem como o senhor colocar o cinto.
- Sim.
- Esse voo vai cair. – levanta a louca gritando.
- Senhora acalme-se. – fala a aeromoça. – senhor coloca o cinto.
- Eu to tentando.
- O senhor não viu a instrução, senhor?
- Sim, mas está quebrado.
- Aí, agora se o avião cair você não vai se salvar.
- Você também viu que o avião vai cair. O AVIÃO VAI CAIR. – grita a louca.
- Senhora, quer parar. Senhor enquanto o senhor não colocar o cinto não vamos levantar voo.
- Mas eu to tentando.
- Não coloca, se você colocar todos nós vamos morrer.
- Senhora ninguém vai morrer.
- Vamos sim.
- Não todos nós, só ele por causa do cinto. E do celular.
- Senhor o senhor não desligou o celular, senhor?
- Desliguei.
- Eu já vi isso também.
- Já viu o que senhora.
- Tudo.
- De javú.
- Desliga o celular senhor.
- Não, premonição.
- O filme...
- Vamos morrer.
- De javú é melhor do que premonição.
- Senhor, coloca o cinto senhor.
- A GENTE VAI MORRER!!!
- Não é a gente, é nós.

Arthur apaga.

- Filho. Filho.
- Eu já desliguei.
- Desligou o que?
- O celular.
- Que celular? Você não tem um voo.
- Mãe.
- Acho que sim.
- Eu to em casa?
- Você ta bem?
- Eu to em casa!
- Ta... Mas não era pra estar, você não tem um voo pra pegar?
- Meu voo...
Levanta da cama de sopetão.
- Voltamos ao normal.
Pega o celular e liga para alguém.
- Alo... Oi... Amor... Perdi a hora aqui e acho que não vou hoje não... Da... da pra eu pegar outro, mas to com um pressentimento ruim... Nada só um sonho que eu tive... Pesadelo... Besteira... Não, não precisa se preocupar... Pensando bem acho que vou, se eu correr da tempo de pegar ainda... vai ver foi só um pesadelo... Ta então vou desligar pra correr... Não se preocupa foi só um sonho... tchau, beijo, até daqui a pouco.
Desliga o celular.
- Mãe, coloca água pra esquentar para passar o café...
- Ih, acabou o gás. – grita a mãe da cozinha.

Arthur para. Lembra-se do sonho. Pensa. Silencio.

- Não tem problema, eu tomo café no aeroporto.

...Não quer dizer que nada vai dar certo.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sala de embarque

Uma sala de embarque, três pessoas, um sentado e dois de pé, e alguma fumaça em volta.

- Não, não. Calma aí!
- O que?
- Quer dizer que você vai levar ele assim?
- Sim.
- Por que?
- Sei lá, por que eu quero.
- Ah, mas toda vez isso, por que você quer.
- Sim.
- Cansei disso. Acho que temos que criar um sistema.
- Gente. – tenta intervir.
- Shiii... Só um pouquinho.
- Um sistema?
- Sim. Um sistema. Você ta ficando com todos os bons.
- Mas esse é o nosso sistema. Os bons são meu, os maus são seu.
- Sim eu sei, mas é que você acaba sempre arranjando um jeitinho de converter os maus. Sabe como está difícil de encontrar maus, maus mesmo.
- Graças a mim.
- “graças a mim”, “graças a mim”. Eles estão vindo pra mim, na sala de embarque, aí você aparece com essa luz toda sua.
- O que é que tem minha luz.
- Pessoal. – tenta novamente.
- Ei. Da pra dar uma licença estamos tratando de um assunto sério aqui.
Silencio.
- O que é que tem minha luz?
- Sei lá, acho que você está apelando demais para os efeitos especiais.
- Ah, eu to apelando?
- É!
- Eu, euzinho, apelando, é isso mesmo que você acha?
- Sim, acho.
- Então vamos falar de apelar. Quem aqui promete balada eterna, com mulheres nuas, comida, bebida e tudo o que tem numa boa orgia?
- Pera aí isso é diferente.
- Não é diferente não.
- É sim, você também faz um monte de promessas, paraíso, paz eterna, harmonia e outros. Alias que porra é “outros”?
- Ah é umas parada aí. Alias eu não sei por que estamos discutindo isso, já ta decidido que ele é meu.
- Sou seu?
- Não, que seu.
- Porra ta difícil hoje hein.
- Na verdade não ta difícil hoje, ta difícil faz tempo. Mas é que só hoje eu falei.
- Aí filho.
- Pera aí filho não, não vem com esse papinho de filho pra cima de mim.
- Ta bom Lu, o que voce quer?
- Ei vocês estão falando de mim, como assim quer ele, não quer ele? Do que vocês estão falando?
- Fica quietinho um pouco, se morto voce é chato assim imagina quando estava vivo.
Os dois assentem com a cabeça como se concordassem com algo pela primeira vez.
- Morto, como assim morto?
- Eu quero ele.
- Não, pede outra coisa.
- Quem são vocês?
- Eu não quero outra coisa, eu quero ele.
- Onde eu estou, da onde ta saindo toda essa fumaça.
- Eu não posso te dar ele.
- Eu to morto mesmo? Eu to me sentindo tão bem.
- Que gênio hein!
- Viu, você nem gosta dele.
- Eu não gosto de nenhum. Mas preciso deles.
- Será que eu posso saber do que vocês estão falando.
- Eu tava de passagem pra conferir o trabalho, aí resolvi buscar você pessoalmente e dei de cara com o Lucifer.
- É, eu to sempre aqui presente, não apareço de vez em quando igual você, tenho que acompanhar tudo de perto.
- Lucifer? Voce é o Lucifer?
- Sim por que, algum problema?
- Não, nenhum. Nenhum mesmo.
- Já estamos de saída. – vira as costas pra sair.
- Não Deus. Calma aí. Isso é injusto.
- O que voce disse?
- Deus?
- Oi?
- É injusto sim.
- Olha, se tem uma coisa que eu não sou é injusto.
- Eu devo estar sonhando.
- Cala a boca. – falam os dois.
- Ei!
- Ah não?
- Não.
- Fala tanto de livre arbítrio pra cá, livre arbítrio pra lá, mas basta eles falarem, ou pensarem, ou escreverem uma palavrinha e pronto já estão no reino do céus, o paraiso da harmonia e outros. Aquela porra deve estar com lotação máxima.
- Ei olha o respeito.
- Desculpa, mas é que é verdade.
- Quer dizer que eu vou pro céu.
- Vai!
- Ainda não.
- Já foi resolvido. Ele vai e pronto.
- Porra não da pra conversar com você. Você se acha o rei do universo.
- E é!
Deus assente com a cabeça.
- Puxa mais o saco dele.
- Um elogio é sempre bom.
- Um elogio, mimimi...
- Ih é melhor a gente ir indo, ele começou a ficar bravinho.
- Não to ficando bravinho.
Silencio.
- Ta, eu to. Mas é por que eu não aguento mais.
- Quer trocar de lugar comigo? Voce acha que é fácil ficar ouvindo tanta reclamação?
- Não, eu sei que não ta fácil pra ninguém. Mas é que voce já é o querido. Tem credibilidade e tals. Já fez seu nome, não precisa mais ficar fazendo marketing por aí.
- Xiii... Você é quem pensa. Toda hora aparece um me difamando. Ou prometendo coisas em meu nome. Sabe como é difícil explicar esse negócio das virgens?
- Pera aí mais quem se suicida não vai pro inferno?
- Porra eu até esqueci que voce estava aí...
- É, era pra ir. Voce está escondendo algo de mim Deus?
- Não. – olha para o homem. – cala a boca. – resmunga.
- Sabia que tinha alguma coisa errada. Nunca recebi nem um homem bomba lá. Até achava estranho, mas como recebo muito terrorista nem esquentava a cabeça.
- Pois é, que loucura – olha para o pulso – já ta na minha hora. To cheio de coisa pra fazer, vamos?
- Não acredito que você estava me roubando esse tempo todo.
- Não fala assim, roubar é uma palavra muito forte.
- Roubando sim. Na cara dura. E eu aqui todo honesto com você.
- Ah eu achei que tava fazendo uma coisa boa.
- E é uma coisa boa.
- Cala-boca. – fala o Lu. – Esperava isso de qualquer um, menos de você.
- Que isso, não fala assim.
- To muito sentido.
- O que eu posso fazer pra te recompensar.
- Não sei se eu posso perdoar tão fácil assim.
- Ah para, nem foi tão grave assim, só foram uns homens bombas.
- Uns pra você que tem quem quiser.
- Falando desse jeito, ta fazendo me sentir mal.
- Mas é pra ficar mesmo. Por que achei que tínhamos um acordo.
- E temos.
- Não parece. Depois de tantas eternidades de convivência, tudo o que passamos vários fins do mundo, guerras. Você me trai desse jeito. Se eu tivesse feito isso, tudo bem, por que eu sou o Diabo, todo mundo espera isso de mim. Agora você, Deus o exemplo, o onipotente, onisciente, onipresente.
- Pisou na bola hein.
Deus só fica em silencio. Lucifer vira as costa, abre uma porta de fogo ele vai em direção a ela.
- Pera aí que eu vou com você. – grita o homem. – porra porta legal hein. Tem balada e mulher mesmo.
Lucifer assente com a cabeça os dois somem na porta.