segunda-feira, 8 de abril de 2013

Acabou a luz

Esses dias acabou a luz na minha casa e eu fiquei sem saber como reagir. Fiquei sentado no escuro, parado, com o controle na mão, esperando que tivesse sido um apagão e ja voltaria. Não voltou. Somos dependentes da luz. Somos a geração ligada na tomada. Nós somos movidos por aparelhos eletrônicos, usamos o computador para nos comunicar, abrimos a geladeira para pensar, ligamos a televisão para dormir. Não conseguiríamos viver como nossos ancestrais. Alias não sei como eles conseguiram viver sem luz, como faziam pipoca para assistir filmes sem micro-ondas.
Estamos muito mimados. Quando eu era criança era normal acabar a luz – é impressionante como a luz sempre acabava a noite, ela tinha o dia inteiro, parece que era por querer, sempre à noite. Pelo menos duas vezes por mês acabava a luz, não só na minha casa, na rua inteira – exclusivamente na minha casa só quando não pagávamos a conta, mas tirando essas vezes, era na rua inteira. Existia uma espécie de rodizio, cada vez acabava numa rua, na minha era geralmente numa terça. Quando acabava havia duas reações ou ir dormir ou ir para frente de casa bater papo com os vizinhos. Todo mundo da rua ia para frente de casa, numa espécie de reunião, especular o que haveria acontecido dessa vez quase nunca se chegava a uma conclusão, mas o bate-papo era bom. Sempre tinha um vizinho que perguntava: “acabou na sua também?”, dava vontade de responder: “não, mas eu desliguei para poder vir conversar com vocês aqui fora”.
Lá dentro de casa a mãe desatinava a procurar velas, é impressionante como casa de pobre sempre tem velas. Rico tem lanterna, acendedor, luz de emergência, pobre tem vela, velas de aniversários passados, vela de sete dias, velinhas do anjinho da guarda. Essa ultima era a mais usada. O anjinho da guarda é o anjo da falta de luz, acabava os pobres acendiam as velas dele. Encontrada a vela, depois de bater setenta e duas vezes o dedo em alguma quina da casa, porque elas se multiplicam no escuro, elas se movem para serem chutadas. Tinha a parte mais difícil, encontrar a caixa de fosforo. Se durante o dia já é difícil, imagine à noite, sem luz e na hora do aperto, era pior ainda. Segundo pesquisas – feitas por mim – a caixa de fosforo está entre as coisas que mais somem, numa lista que inclui meia, tampa de caneta e palheta. Alias acho que quem inventou o acendedor elétrico do fogão foi um cara que se revoltou com o fosforo. Quando finalmente encontrava acendia-se as velas do anjinho da guarda, pingava num pratinho e deixava um em cada comodo da sala. Isso quando tinha tantas velas, quando não tinha, ficava um revezamento de vela.
A cada passada pelo interruptor você dava um toque, porque esquecia que tinha acabado e no fundo porque tinha esperança de que talvez se apertasse ela voltaria.
Feito tudo isso ficava na expectativa de que a luz poderia voltar a qualquer momento, mas ela não voltava, e quanto mais passava o tempo menos acreditava que ainda voltaria, então aos poucos cada um ia dormir sem saber o que teria acontecido, todos dormiam, no outro dia acordava, todas as luzes estavam ligadas e os restos de velas espalhados pela casa. Ninguém sabia o que fez a luz acabar, mas não ligavamos, já estávamos acostumados.

2 comentários:

  1. Cara! Perfeito! HAHAH! Lembro de tudo exatamente assim quando acabava a luz na minha casa. Muito boa crônica, Afonso! Vc eh fera demais!!!

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    1. Valeu Fabiano, fico feliz que tenha curtido, legal mesmo!

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