Estamos muito mimados. Quando
eu era criança era normal acabar a luz – é impressionante como a luz sempre
acabava a noite, ela tinha o dia inteiro, parece que era por querer, sempre à
noite. Pelo menos duas vezes por mês acabava a luz, não só na minha casa, na
rua inteira – exclusivamente na minha casa só quando não pagávamos a conta, mas
tirando essas vezes, era na rua inteira. Existia uma espécie de rodizio, cada
vez acabava numa rua, na minha era geralmente numa terça. Quando acabava havia
duas reações ou ir dormir ou ir para frente de casa bater papo com os vizinhos.
Todo mundo da rua ia para frente de casa, numa espécie de reunião, especular o
que haveria acontecido dessa vez quase nunca se chegava a uma conclusão, mas o
bate-papo era bom. Sempre tinha um vizinho que perguntava: “acabou na sua
também?”, dava vontade de responder: “não, mas eu desliguei para poder vir
conversar com vocês aqui fora”.
Lá dentro de casa a mãe desatinava a procurar velas, é
impressionante como casa de pobre sempre tem velas. Rico tem lanterna,
acendedor, luz de emergência, pobre tem vela, velas de aniversários passados,
vela de sete dias, velinhas do anjinho da guarda. Essa ultima era a mais usada.
O anjinho da guarda é o anjo da falta de luz, acabava os pobres acendiam as
velas dele. Encontrada a vela, depois de bater setenta e duas vezes o dedo em
alguma quina da casa, porque elas se multiplicam no escuro, elas se movem para
serem chutadas. Tinha a parte mais difícil, encontrar a caixa de fosforo. Se durante
o dia já é difícil, imagine à noite, sem luz e na hora do aperto, era pior
ainda. Segundo pesquisas – feitas por mim – a caixa de fosforo está entre as coisas
que mais somem, numa lista que inclui meia, tampa de caneta e palheta. Alias
acho que quem inventou o acendedor elétrico do fogão foi um cara que se
revoltou com o fosforo. Quando finalmente encontrava acendia-se as velas do
anjinho da guarda, pingava num pratinho e deixava um em cada comodo da sala. Isso
quando tinha tantas velas, quando não tinha, ficava um revezamento de vela.
A cada passada pelo interruptor você dava um toque,
porque esquecia que tinha acabado e no fundo porque tinha esperança de que talvez
se apertasse ela voltaria.
Feito tudo isso ficava na expectativa de que a luz
poderia voltar a qualquer momento, mas ela não voltava, e quanto mais passava o
tempo menos acreditava que ainda voltaria, então aos poucos cada um ia dormir
sem saber o que teria acontecido, todos dormiam, no outro dia acordava, todas
as luzes estavam ligadas e os restos de velas espalhados pela casa. Ninguém
sabia o que fez a luz acabar, mas não ligavamos, já estávamos acostumados.
Cara! Perfeito! HAHAH! Lembro de tudo exatamente assim quando acabava a luz na minha casa. Muito boa crônica, Afonso! Vc eh fera demais!!!
ResponderExcluirValeu Fabiano, fico feliz que tenha curtido, legal mesmo!
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